Metafísica

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Quais são os últimos princípios e causas do mundo? Gravado em madeira de Camille Flammarion: L’Atmosphere (1888).

A metafísica é um ramo da filosofia que se encarrega de estudar a natureza, estrutura, componentes e princípios fundamentais da realidade.[1] [2] [3]

Já na Grécia Clássica, o filósofo Aristóteles de Estagira, falava de uma “filosofia primeira”, cujo principal objectivo era o estudo do Ser assim que tal, de seus atributos e suas causas. Daí que a metafísica tenha uma estreita relação com a teología, pois para esta doutrina, a causa real e radicalmente primeira se entende como um ente supremo (Deus).

A metafísica aborda problemas centrais da filosofia, como o são os fundamentos da estrutura da realidade e o sentido e finalidade última de todo ser, todo o qual se sustenta no chamado princípio de não contradição, razonamiento que estabelece a imposibilidad de que algo seja e não seja ao mesmo tempo. A metafísica tem como tema de estudo dois tópicos: o primeiro é a ontología, que em palavras de Aristóteles vem a ser a ciência que estuda o ser enquanto ser. O segundo estudo é o da teología, ou também chamada filosofia teológica” , que é o estudo de Deus como causa ultima da realidade.

O conhecimento metafísico é o mais fundamental que cabe tentar atingir. A questão essencial consiguiente é: e como se atinge esse conhecimento?, isto é, sobre que deve versar e como se pode atingir? É aqui onde, como é comprensible, começam as intermináveis discussões entre os metafísicos. Platón, dantes que Aristóteles, é o precursor da metafísica como tal e a expressa com sua ideia do mundo inteligible.

A metafísica trata as “questões últimas”, mas, quais são essas questões? Há muitos modos de apresentá-las, e não todos estes enfoques são compatíveis entre si: por que existem as coisas? Por que há algo e não mais bem nada? Existe um Deus? Que características possuiria em caso de existir? Qual é a diferença entre matéria e espírito? Talvez é livre o homem? Todo está em permanente mudança ou existem coisas ou relações que permanecem invariáveis apesar da mudança? Etcétera.

O campo de trabalho da metafísica compreende os aspectos da realidade que são inaccesibles à investigação científica. Segundo Immanuel Kant, uma afirmação é metafísica quando afirma algo substancial ou relevante sobre um assunto (“quando emite um julgamento sintético sobre um assunto”) que por princípio escapa a toda a possibilidade de ser experimentado (pelos sentidos) pelo ser humano (cfr. trascendencia). Simultaneamente surge a pergunta: como o ser humano, apesar de suas limitadas capacidades mentais, poderia participar ou atingir as verdades metafísicas que pretende fundamentar com a ajuda da filosofia?

Nos tratados metafísicos temporões considerava-se que o núcleo de todas as disciplinas filosóficas devia estar na formulación de fundamentos últimos válidos universalmente.

Alguns filósofos têm sustentado que o ser humano tem uma predisposición natural para a metafísica. Kant qualificou-a de necessidade inevitável”. Arthur Schopenhauer inclusive definiu ao ser humano como “animal metafísico”. Martin Heidegger tem replanteado todos os assuntos metafísicos introduzindo neles uma transformação radical que necessariamente tem que se tomar em conta.

Conteúdo

História do conceito

Platón e Aristóteles na escola de Atenas, de Rafael Sanzio. Aristóteles é considerado como o pai da metafísica.

O termo metafísica prove de uma obra de Aristóteles composta por catorze livros (rollos de papiro), independentes entre si, que se ocupam de diversos temas gerais da filosofia. Estes livros são de carácter esotérico, isto é, Aristóteles nunca os concebeu para a publicação. Pelo contrário, são um conjunto de apontes ou notas pessoais sobre temas que pôde ter tratado em classes ou em outros livros sistémicos.

O peripatético Andrónico de Rodas (século I a. C.) ao sacar a primeira edição das obras de Aristóteles ordenou estes livros por trás dos oito livros sobre física (tà metà tà physiká). De ali surgiu o conceito de “metafísica”, que em realidade significa: aquilo que no estante está após a física, mas que também de maneira didáctica significa: aquilo que segue às explicações sobre a natureza ou o que vem após a física, entendendo física em sua acepción antiga que se referia ao estudo da physis, isto é, da natureza e seus fenómenos, não limitados ao plano material necessariamente.

Na Antigüedad a palavra metafísica não denotava uma disciplina particular concerniente ao interior da filosofia, senão o compendio de rollos de Aristóteles já mencionado. Só é a partir do século XIII que a metafísica passa a ser uma disciplina filosófica especial que tem como objecto o ente assim que ente. É para esse século quando o conhecimento das teorias aristotélicas se começa a conhecer no Occidente latino graças ao influjo de pensadores árabes como Avicena e Averroes.

A partir de então a metafísica passa a ser a mais alta disciplina filosófica, e assim até a Idade Moderna. Com o tempo a palavra “metafísica” adquiriu o significado de “difícil” ou “subtil” e em algumas circunstâncias utiliza-se com um carácter peyorativo, passando a significar especulativo, dudoso ou não científico. Neste sentido, também a metafísica é considerada como um modo de reflexionar com demasiada subtileza em qualquer matéria que discurriese entre o escuro e difícil de compreender.

Objectivo da metafísica

A metafísica pergunta pelos fundamentos últimos do mundo e de todo o existente. Seu objectivo é conseguir um entendimento teórico do mundo e dos princípios últimos gerais mais elementares do que há, porque tem como fim conhecer a verdade mais profunda das coisas, por que são o que são; e, ainda mais, por que são.[4]

Três das perguntas fundamentais da metafísica são:

  1. Que é ser?
  2. Que é o que há?
  3. Por que há algo, e não mais bem nada?

Não só se pergunta então pelo que há, senão também por que há algo. Ademais aspira a encontrar as características mais elementares de todo o que existe: a questão proposta é se há características tais que se lhe possam atribuir a todo o que é e se com isso podem se estabelecer certas propriedades do ser.

Alguns dos conceitos principais da metafísica são: ser, nada, existência, esencia, mundo, espaço, tempo, mente, Deus, liberdade, mudança, causalidad e fim.

Alguns dos problemas mais importantes e tradicionais da metafísica são: o problema dos universais, o problema da estrutura categorial do mundo, e os problemas unidos ao espaço e o tempo.

O conceito de ser

O que é decisivo para distinguir os diferentes tipos de metafísica é o conceito de ser . A tradição distingue dois tipos de enfoques essencialmente diferentes:

Conceito unívoco de ser

Segundo este enfoque, “ser” vem a ser a característica mais geral de diferentes coisas (chamadas entes ou entidades). É aquilo que segue sendo igual a todos os entes, após que se eliminaram todas as características individuais aos entes particulares, isto é: o facto de que sejam, isto é, o facto de que a todas elas lhes corresponda ser (cfr. diferença ontológica)

Este conceito de ser é a base da “metafísica das esencias”. O oposto ao “ser” vem a ser neste caso a esencia, à qual simplesmente se lhe agrega a existência. Em verdadeiro sentido não se diferencia já muito do conceito da nada. Um exemplo disso o dão certos textos da filosofia temporã de Tomás de Aquino (De ente et essentia).

Conceito analógico do ser

Segundo este enfoque, o “ser” vem a ser aquilo que se lhe pode atribuir a tudo , ainda que de diferentes maneiras (Analogia entis). O ser é aquilo, no que os diferentes objectos coincidem e no que, a sua vez, se distinguem.

Este enfoque do ser é a base de uma metafísica (dialéctica) do ser. O conceito oposto a ser, é aqui a nada, já que nada pode estar fosse do ser. Entende-se aqui a ser como espaço cheio. A filosofia tardia de Tomás de Aquino brinda-nos um exemplo deste entendimento de ser (Summa theologica)

Sistematización e método

Tradicionalmente a metafísica divide-se em dois ramos:

  • Metafísica geral (metaphysica generalis): pergunta pelas categorias mais gerais do ser e por isso também é chamada filosofia fundamental. Ocupa-se de que são as coisas, as propriedades e os processos, segundo seu esencia e em que relação estão entre si. Em tanto ocupa-se do que há, se conhece como ontología.
  • Metafísica especial (metaphysica specialis), que se divide em:
    • A teología natural (também chamada teología filosófica ou teología racional) estuda a Deus através de métodos racionais (isto é, sem recorrer ao misticismo ou à fé).
    • A psicologia racional (também chamada filosofia do homem, psicologia metafísica ou psicologia filosófica) se ocupa da alma ou mente do homem.
    • A cosmología racional pesquisa o mundo em general. Em tanto disciplina da estructuración do mundo material como um sistema natural de substâncias físicas, já desde a antigüedad se costumava cruzar com a filosofia da natureza.

A metafísica pode proceder de diferentes maneiras:

  1. É especulativa, quando parte de um princípio supremo, a partir do qual vai interpretando a totalidade da realidade. Um princípio deste tipo poderia ser a ideia, Deus, o ser, a mónada, o espírito universal, ou a vontade.
  2. É inductiva, em sua tentativa de ver de maneira unificada os resultados de todas as ciências particulares, configura uma imagem metafísica do mundo.
  3. É reduccionista (nem empírico-inductiva, nem especulativa-deductiva), quando lha entende como um mero constructo especulativo a base de orçamentos dos quais os seres humanos sempre têm tido que partir para poder chegar a conhecer e actuar.

História da metafísica

Idade Antiga

Presocráticos

Já desde os inícios da filosofia na Grécia, com os chamados filósofos presocráticos, se apreciam as tentativas de entender o universo tudo a partir de um princípio (originario) único e universal, o αρχη (arjé).

Parménides de Elea (século VI-V a. C.) é considerado o fundador da ontología. É ele quem utiliza pela primeira vez o conceito de ser ente em forma abstrata. Este saber, metafísico, começou quando o espírito humano se fez consciente de que o real sem mais não é o que nos oferecem os sentidos, senão o que se prende com o pensamento. (“O mesmo é pensar e ser”) É o que ele chama ente”, e que caracteriza através de uma série de determinações conceptuais que estão à margem dos dados dos sentidos, como ingénito, incorruptible, inmutable, indivisible, um, homogéneo, etc.

Parménides expõe sua teoria com três princípios: “O ser (ou o ente) é e o não-ser não é”, “nada pode passar do ser ao não-ser e vice-versa” e “o mesmo é o pensar que o ser” (este último se refere a que o que não pode ser pensado não pode existir).

A partir de sua afirmação básica (“o ser é, o não-ser não é”) Parménides deduze que o ser é ilimitado, já que o único que poderia o limitar é o não-ser, mas como o não-ser não é, não pode estabelecer limitação alguma.

Portanto, segundo deduzirá Meliso de Samos, o ser é infinito (ilimitado no espaço) e eterno (ilimitado no tempo).

A influência de Parménides é decisiva na história da filosofia e do pensamento mesmo. Até Parménides, a pergunta fundamental da filosofia era: De que está feito o mundo? (uns filósofos diziam que o elemento fundamental era o ar, outros a água, outros um misterioso elemento chamado “apeirón”, etc.). Parménides pôs, pela primeira vez e para os seguintes vinte e cinco séculos o “ser” (esse) na cena, como objecto principal do discurrir filosófico. O próximo passo decisivo dá-lo-á Sócrates.

Sócrates

A filosofia de Sócrates (470/469-399 a. C.) centra-se na moral. Sua pergunta fundamental é: que é o bem?. Sócrates achava que se conseguia-se extrair o conceito do bem se podia ensinar à gente a ser boa (como se ensina as matemáticas, por exemplo) e acabar-se-ia assim com o mau. Estava convencido de que a maldade é uma forma de ignorância. Desenvolveu a primeira técnica filosófica que se conhece: a mayeútica. Consistia em perguntar e voltar a perguntar sobre as respostas obtidas uma e outra vez, aprofundando a cada vez mais. Com isso pretendia chegar ao “Logos” ou a razão final que fazia que uma coisa fosse essa coisa e não outra. Este “logos” é o embrião da “ideia” de Platón, seu discípulo.

Platón

O ponto central da filosofia de Platón (427-347 a. C.), constitui-o a Ideia. Platón observou que o Logos de Sócrates era uma série de características que percebemos nos objectos (físicos ou não) e estão associadas a ele. Se a esse Logos separamo-lo do objecto físico e damos-lhe existência formal, então chama-se Ideia (a palavra “Cria” introduziu-a Platón). Nos diálogos platónicos aparece Sócrates perguntando pelo que é justo, valoroso, bom, etc. A resposta a estas perguntas presupone a existência de ideias universais cognoscibles por todos os seres humanos que se expressam nestes conceitos. É através delas que podemos captar o mundo em constante transformação.

As ideias são o paradigma (paradeigma) das coisas. Seu lugar está entre o ser e o não-ser. São anteriores às coisas, que participam (methexis) delas. Em sentido estrito só elas são. As coisas particulares que vemos só representam cópias mais ou menos exactas das ideias. A determinação ou definição das ideias obtém-se através do exercício dialógico rigoroso, enquadrado em determinado contexto histórico e coyuntural, delimitando aquilo no que se centrou a investigação (a ideia).

Com a teoria das Ideias Platón pretende provar a possibilidade do conhecimento científico e do julgamento imparcial. O facto de que todos os seres humanos tenham a possibilidade de aceder a um mesmo conhecimento, tanto no campo das matemáticas, como no da ética, o explica através da teoria da “lembrança” (anámnesis), segundo a qual recordamos as ideias eternas que conhecemos dantes de nosso nascimento. Com isso Platón explica a universalidade da capacidade racional de todos os seres humanos, se enfrentando a alguns de seus contemporâneos que sustentavam a incapacidade de aceder ao conhecimento por parte de escravos ou povos não-helénicos, entre outros.

A tradição postplatónica muitas vezes entendeu a teoria das ideias de Platón, no sentido de que teria suposto uma existência das ideias separada da existência das coisas. Esta teoria da duplicación dos mundos, na Idade Média conduziu à polémica sobre os universais.

Aristóteles

Aristóteles (384-322 a. C.) nunca usou a palavra “metafísica” em sua obra conhecida como Metafísica. Dito título atribui-se ao primeiro editor sistémico da obra do estagirita, Andrónico de Rodas, que supôs que, por seu conteúdo, os treze livros que agrupou deviam se localizar após a “Física” e por essa razão usou o prefixo “meta” (para além de…ou que sucede a…). Em sua análise do ente, Aristóteles vai para além da matéria, ao estudar as qualidades e potencialidades do existente para acabar falando do Ser primeiro, o motor imóvel e gerador não movido de todo o movimento, que mais tarde seria identificado com Deus.

Para Aristóteles a metafísica é a ciência da esencia dos entes e dos primeiros princípios do ser. O ser diz-se de muitas maneiras e estas refletem a esencia do ser. Nesse sentido elabora ser, independentemente das características momentáneas, futuras e casuais. A ousía (geralmente traduzido como substância) é aquilo que é independente das características (acidentes), enquanto as características são dependentes da ousía. A ousía é o que existe em si, em contraposição ao acidente, que existe em outro. Gramaticalmente ou categorialmente, diz-se que a substância é aquilo ao que se adscribe características, isto é, é aquilo sobre o qual se pode afirmar (pregar) algo. Aquilo que se afirma sobre as substâncias são os pregados.

À pergunta de que seria finalmente a esencia que permanece inmutable, a resposta de Aristóteles vem a ser que a ousía é uma forma determinante –o eidos– é a origem de todo ser, isto é, que por exemplo no eidos de Sócrates, o que em sua forma humana, determina sua humanidade. E também a que determina que sendo o homem por natureza livre e não sendo o escravo livre, determina que o escravo seja parte constitutiva de seu amo, isto é, que não seja só escravo de seu amo em determinada coyuntura e desde determinada perspectiva, senão que seja escravo escravo por natureza.

Idade Média

No islão

Detalhe do fresco de Andrea Bonaiuto O Triunfo de Santo Tomás, com a imagem sentada em repouso e pensativa de Averroes , apoiado possivelmente em algum livro de Aristóteles.

A chegada da filosofia grega ao campo de influência do Islão não foi directa, senão que tem que ver com os cenobios cristãos na península arábiga e os pertencentes a ideologias consideradas heréticas e que utilizavam a filosofia grega não como um fim, senão como um instrumento que lhes servia para suas especulações teológicas (como os monofisistas ou os nestorianos), mas é pelo interesse utilitarista na medicina grega quando começam a se fazer traduções ao Persa que depois passariam tardiamente ao Árabe.

Baste comentar que em Árabe não existe o verbo ser e mais dificilmente uma construção como Ser, que é um verbo convertido em sustantivo. É reseñable que a metafísica do mundo islâmico ficou influenciada em grande parte pela “Metafísica” de Aristóteles.

Apesar destas dificuldades, Metafísica termina sendo a forma de denominar este campo e graças ao trabalho de comentário e reconstrução de intelectuais dentro do Islão, (especialmente o de Averroes ) passou à filosofia cristã.

No cristianismo

Na Idade Média a metafísica é considerada a “rainha das ciências” (Tomás de Aquino). Propõem-se a tarefa de conciliar a tradição da Filosofia Antiga com a doutrina religiosa (muçulmana, cristã ou judia). Com base no Neoplatonismo tardio a metafísica medieval propõe-se reconhecer o “verdadeiro ser” e a Deus a partir da razão pura.

Os temas centrais da metafísica medieval são a diferença entre o ser terrenal e o ser celestial (Analogia Entis), a doutrina dos trascendentales e as provas da existência de Deus. Deus é o fundamento absoluto do mundo, do qual não se pode duvidar. Discute-se se Deus tem criado o mundo da nada (criação ex nihilo) e se é possível aceder a seu conhecimento através da razão ou só através da fé. Inspirados na teoria da duplicación dos mundos atribuída a Platón seu Metafísica manifesta-se como uma sorte de “dualismo” do “cá” e do “para além”, da “mera percepción sensível” e do “pensar puro como conhecimento racional”, de uma “inmanencia” da vida interior e uma “trascendencia” do mundo exterior.

Idade Moderna

Kant

A Filosofia Trascendental de Kant significou um “giro copernicano” para a metafísica. Sua posição em frente à metafísica é paradigmática. Atribui-lhe ser um discurso de palavras ocas” sem conteúdo real, acusa-a de representar “as alucinaciones de um vidente”, mas por outra parte recolhe dela a exigência de universalidade. Kant propôs-se fundamentar uma metafísica “que possa se apresentar como ciência”. Para isso examinou primeiro a possibilidade mesma da metafísica. Para Kant as questões últimas e as estruturas gerais da realidade estão unidas à pergunta pelo sujeito. A partir deste orçamento deduziu que há que estudar e julgar aquilo que pode ser conhecido por nós. Através de seu criticismo diferenciou-se explicitamente das posições filosóficas que têm como objecto a pergunta sobre que é o conhecimento. Afastou-se assim das tendências filosóficas imperantes, tais como o empirismo, o racionalismo e o escepticismo. Também através do criticismo marcou distância do dogmatismo da metafísica que -segundo Kant- se tinha convertido em uma série de afirmações sobre temas que vão para além da experiência humana. Tentou então de levar a cabo uma análise detalhada da faculdade humana de conhecer, isto é, um exame crítico da razão pura, da razão desvinculada do sensível (Crítica da razão pura, 1781-87). Para isso é decisivo o orçamento epistemológico de Kant de que ao ser humano a realidade não se lhe apresenta tal como é realmente (“em si”), senão tal como se lhe aparece devido à estrutura específica de sua faculdade de conhecimento.

Como o conhecimento científico também depende sempre da experiência, o homem não pode emitir julgamentos sobre coisas que não estão dadas pelas sensações (tais como “Deus”, “alma”, “universo” “tudo”, etc.) Por isso Kant deduziu que a metafísica tradicional não é possível, porque o ser humano não dispõe da faculdade de formar um conceito baseando na experiência sensível do espiritual, que é a única que permitiria a verificação das hipóteses metafísicas. Como o pensar não dispõe de nenhum conhecimento da realidade neste aspecto, estes assuntos sempre permanecerão no âmbito do especulativo-construtivo. Então, por princípio, não é possível segundo Kant decidir racionalmente sobre perguntas centrais tipo tais como se Deus existe, se a vontade é livre ou se o alma é imortal. As matemáticas e a física podem formular julgamentos sintéticos a priori e, por isso, atingir um conhecimento universal e necessário, um conhecimento científico.

Idealismo alemão

Desde a crítica kantiana surge o idealismo alemão, representada sobretudo por Fichte , Schelling e Hegel, e que considera à realidade como um acontecimento espiritual no que o ser real é superado, sendo integrado no ser ideal.

O idealismo alemão recolhe o giro trascendental de Kant, isto é que, em vez de entender a metafísica como a busca da obtenção do conhecimento objectivo, se ocupa das condições subjetivas de possibilidade de tal conhecimento. Assim, se propõe até que ponto o ser humano pode chegar a reconhecer estas evidências. No entanto, recusa que o conhecimento se limite à experiência possível e aos meros fenómenos, e propõe uma superação desta posição, voltando a postulados metafísicos que possam reclamar validade universal: “conhecimento absoluto” como se dizia desde Fichte até Hegel. Se aceitamos que os conteúdos do conhecimento só valem em relação com o sujeito -como supunha Kant- e consideramos que esta perspectiva é absoluta, isto é, é a perspectiva de um sujeito absoluto, então o conhecimento válido para este sujeito absoluto também tem validade absoluta. A partir desta proposta o idealismo alemão considera que pode superar a contradição empírica entre sujeito e objecto, para poder captar o absoluto.

Hegel sustenta que de uma identidade pura e absoluta não pode surgir ou se entender uma diferença (essa identidade seria como “a noite, na que todas as vacas são negras”): não explicaria a realidade em toda sua diversidade. Por isso “a identidade do absoluto” deve se entender como que esta desde sua origem já que contém em si a possibilidade e a necessidade de uma diferenciación. Isto implica que o absoluto se realiza em sua identidade pelo plasmado e a superação de momentos não idênticos, isto é, a identidade dialéctica. A partir desta proposta Hegel desenvolve a “Ciência da Lógica” considerado, talvez, como o último grande sistema da metafísica ocidental.

Idade Contemporânea

Martin Heidegger disse que nossa época é a do cumprimento da metafísica, pois desde os inícios do pensamento ocidental se produziram uns determinados resultados que configuram um panorama do que o pensamento metafísico não pode já dar conta. O próprio sucesso da metafísica tem conduzido fora dela. Ante isto, a potência do pensamento consiste precisamente em conhecer e intervir sobre o conhecido. Mas o pensamento metafísico carece já de potência já que tem rendido seus últimos frutos.

Heidegger afirmou que a metafísica é “o pensamento ocidental na totalidade de sua esencia”. A utilização do termo esencia nesta definição, implica que a técnica para estudar a metafísica como forma de pensamento, é ou deve ser a metafísica no primeiro sentido dantes indicado. Isto quer dizer que os críticos da metafísica como esencia do pensamento ocidental, são conscientes de que não existe uma “terra de ninguém” em que se situar, para além dessa forma de pensamento; só o estudo atento e a modificação consciente e rigorosa das ferramentas proporcionadas pela tradição filosófica, podem ajustar a potência do pensamento às transformações operadas em aquéllo que a metafísica estudava: o ser, o tempo, o mundo, o homem e seu conhecer. Mas essa modificação supõe a sua vez um salto que toda a tradição do pensamento tem escenificado, tem fingido ou sonhado dar ao longo de seu desenvolvimento. O salto fora da metafísica e por tanto, quiçá a revocación de suas consequências.

Friedrich Nietzsche considera que Platón é o iniciador do pensamento metafísico e lhe faz responsável pela escisión no ser que terá depois formas variadas mas constantes. A divisão entre mundo sensível e mundo inteligible, com seu correlato corpo-alma, e a preeminencia do segundo assegurada pela teoria das Ideias situa o mundo verdadeiro para além dos sentidos. Isto deixa fora do pensar o devir, aquilo não apresable na divisão sensível-inteligible por seu carácter informe, e que também deixam escapar as subsiguientes divisões aristotélicas, como substância-acidente e acto-potência.

Heidegger caracterizou o discurso metafísico por seu impotencia para pensar a diferença óntico-ontológica, isto é, a diferença entre os entes e o ser. A metafísica refere ao ser o modelo dos entes (as coisas), mas aquele seria irreductible a estes: os entes são, mas o ser dos entes não pode se caracterizar simplesmente como estes. O ser é pensado como ente supremo, o que lhe identifica com Deus; a pulsión ontoteológica é uma constante no pensamento ocidental. Para Heidegger a metafísica é o esquecimento do ser, e a consciência deste esquecimento deve abrir uma época nova, enfrentada à possibilidade de expressar o deixado à margem do pensamento.

A filosofia analítica também reduz a metafísica a uma questão linguística, mas neste caso lhe atribui uma total falta de sentido. A metafísica seria em todo o caso uma linguagem expresivo, do tipo da poesia, mas nunca referencial. Se falamos do ser, não nos referimos a nada que tenha uma existência objectiva. Por tanto é uma linguagem que povoa o conhecimento de falsos problemas, ou que fornece falsas soluções. Por outro lado a linguagem metafísico viola as convenções da linguagem ordinária e por tanto não pode proporcionar uma guia para o mundo comum ou não especializado.

O postestructuralismo (Gilles Deleuze, Michel Foucault, Jacques Derrida) retoma a crítica de Nietzsche, e argumenta que o não pensable na metafísica é precisamente a diferença em tanto tal. A diferença, no pensar metafísico, fica subordinada aos entes, entre os que se dá como uma relação. A pretensão de “inscrever a diferença no conceito” transformando este e violentando para isso os limites do pensamento ocidental aparece já como uma pretensão que leva à filosofia para além da metafísica.

Notas e referências

  1. Robert Audi, ed., «Metaphysics» (em inglês), The Cambridge Dictionary of Philosophy (2nd Edition), Cambridge University Press, «Most generally, the philosophical investigation of the nature, constitution, and structure of reality.» 
  2. «Metaphysics», Encyclopædia Britannica On-line, http://www.britannica.com/EBchecked/topic/377923/metaphysics, consultado o 13 de abril de 2010, «Branch of philosophy that studies the ultimate structure and constitution of reality.» 
  3. Carey, Rosalind, «Russell’s Metaphysics» (em inglês), Internet Encyclopedia of Philosophy, http://www.iep.utm.edu/russ-met/, consultado o 13 de abril de 2010, «[…] the study of the ultimate nature and constituents of reality.» 
  4. Gómez Pérez, Rafael (1984). Introdução à metafísica. Aristóteles e Santo Tomás de Aquino (3ª ed.), Madri: Edições Rialp. ISBN 978-84-321-1951-2., pp. 23-24

Bibliografía adicional

  • Grondin, Jean (2006). Introdução à metafísica, Editorial Herder. ISBN 978-84-254-2441-0.
  • Guénon, René (2006). Sophia Perennis (ed.). Os estados múltiplos do ser, José J. de Olañeta. ISBN 978-84-9716-501-3.
  • Pardo, José Luis (2006). A metafísica. Perguntas sem resposta e problemas sem solução, Valencia: Pré-Textos. ISBN 84-8191-718-4.
  • Aristóteles (1997). Metafísica, Edição trilingüe de Valentín García Yebra, 2ª edição, Madri: Editorial Gredos. ISBN 978-84-249-2176-7.
  • Heidegger, Martin (1929). Que é a metafísica?, disponível em várias edições.
  • Heidegger, Martin (1953). Introdução à metafísica, disponível em várias edições.
  • Heidegger, Martin (1929). Kant e o problema da metafísica, disponível em várias edições.
  • Kant, Immanuel (1783). Prolegómenos a toda metafísica futura que possa se apresentar como ciência, disponível em várias edições.
  • Ortega e Gasset, José. «[Expressão errónea: operador < inesperado Umas lições de metafísica]». Obras Completas (Madri: Aliança / Revista de Occidente) 12. 
  • Descartes, René (1637 [1977]). Meditaciones metafísicas com objeciones e respostas, Introdução, tradução e notas de Vidal Peña, Madri: Alfaguara.
  • Leibniz, Gottfried (1686 [1962]). Discurso de metafísica, Tradução de Alfonso Castaño Piñan, Madri: Aguilar.

Enlaces externos

mwl:Metafísica

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